O estilista Ronaldo Fraga homenageia o “Velho Chico” em exposição itinerante que resgata a cultura e a alma ribeirinhas por meio de tecidos, música e poesia. Até 19/12 em Belo Horizonte. Em 2011, a mostra passará por várias cidades, entre elas São Paulo, Rio, Recife e Salvador.
“Eu conheci o Velho Chico pelas histórias que o meu pai contava. Eram as lendas assustadoras do Rio São Francisco. Eu cresci muito apaixonado por aquele universo”, recorda carinhosamente Ronaldo Fraga, que conheceu o rio, de fato, em 2008, para sentir a sua essência e transpô-la na passarela.
O estilista mineiro surpreendeu o mundo da moda - estética e politicamente - com um desfile dedicado às belas minúcias do São Francisco, no mesmo ano, na São Paulo Fashion Week. “Apresentei a coleção em São Paulo, em Santiago do Chile, no México, no Museu de Arte Contemporânea de Tóquio, mas depois que tudo passou continuava pensando e falando dele. Todas às vezes que eu tinha uma oportunidade, mesmo com a coleção pronta, eu voltava ao rio. E achava que devia fazer outra coisa sobre ele, mas não outro desfile, queria usar outro suporte”, destaca. E foi daí que surgiu a ideia de produzir uma exposição sobre o Velho Chico, e que profetizou a mensagem que ouvia dos ribeirinhos de diversas cidades banhadas pelo rio: “Uma vez que se bebe da água do São Francisco, o rio nunca mais sairá de você, e você voltará para sempre”.
O resultado desse envolvimento afetivo com o rio resultou na mostra itinerante Rio São Francisco navegado por Ronaldo Fraga: cultura popular, história, moda. A exposição, em cartaz em Belo Horizonte até dezembro, em 2011, passará por mais 16 cidades, entre elas São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Maceió, Pirapora, Januária e várias cidades ribeirinhas. Ao final da itinerância, o trabalho ganhará publicação.
O visitante navega “pelas águas” da exposição como se estivesse num convés do Vapor Benjamim Guimarães, construído em 1913 e tombado como patrimônio, e dali observa, em dez ambientes, as diversas faces do Velho Chico em vídeos, roupas, e instalações interativas. Da nascente à foz, a mostra passa pelas lendas, religiosidade, cheiros, sabores, cantos e costumes das cidades ribeirinhas. Ao longo do percurso, fãs do trabalho de Ronaldo são levados a viver a experiência única do rio, com a mistura promíscua de comida, gente e bichos dos mercados populares; a multicliplicidade das culturas, que se diferem a cada fase do rio; e os pontos de bordado e rendas característicos deste universo, que o estilista absorve em suas roupas. “O São Francisco é o rio que mais desperta o afeto dos brasileiros e que, mais do que água, mais do que peixe, é cultura, é gastronomia, é historia, é oficio, é bordado, é musica”, defende o estilista mineiro.
Como nos desfiles de Ronaldo Fraga, a exposição também é “costurada” pela música. O trecho do poema “Águas e marcas do Rio São Francisco”*, da obra “Discurso de Primavera e Algumas Sombras”, de Carlos Drummond de Andrade, é declamado por Maria Bethânia em meio à interpretações de canções que falam sobre o rio. “Esse poema do Drummond, embora tenha sido escrito em 1977, dá a impressão que foi feito hoje pela manhã. Nele o escritor fala das mazelas do rio que está por um fio, por uma gota, literalmente. Cadê os caboclos d’água, cadê cachorrinha d’água, cadê Iara? Eles é que deviam proteger o Velho Chico. Isso era exatamente o que meu pai contava: as lendas assustadoras que o protegiam. Quando eu chego e deparo com a mistura do São Francisco do meu pai, que não existe mais, com o rio dos meus dias, que padece sob muitos aspectos, me pergunto: o rio dos meus filhos, que cara vai ter? Tanto que na exposição eu tiro a água, onde estão as roupas, e coloco toneladas de sal grosso, que simbolizam o processo de salinização da foz do rio. Quando se fala que o São Francisco está doente, o que está em risco não é só o rio, mas toda cultura ribeirinha”, desabafa Ronaldo.
Rio São Francisco Navegado por Ronaldo Fraga
Em cartaz, na capital mineira, até o dia 19 de dezembro, na Galeria Alberto da Veiga Guignard - Palácio das Artes.
Terça a sábado, das 9h30 às 21h; Domingos, das 16h às 21h
Entrada gratuita